Você está numa festa. Enquanto vai buscar uma bebida com alguns amigos, sente alguém te observando, até que, quando vira, se depara com uma pessoa te olhando. A pessoa sorri, pergunta seu nome e você entra em pânico. E agora? O que você faz?
É aí que entra o flerte. As coisas que fazemos, o modo como nos portamos e os tópicos que abordamos são alguns aspectos relevantes para conquistar alguém – ou seja, para flertar. Definido pelo dicionário como “cortejar alguém; namoricar ou paquerar; demonstrar interesse sentimental por alguém”, e conhecido por nós como dar em cima, mostrar interesse ou xavecar, o flerte é, para a Linguística, o gênero discursivo utilizado para estabelecermos um relacionamento romântico ou sexual.
Mas o que é um gênero discursivo?
Como seres sociais, quando precisamos fazer qualquer coisa – seja participar de uma entrevista de trabalho, escrever a redação da prova do ENEM, pedir um sanduíche no nosso restaurante favorito ou fazer amizade com os colegas de trabalho – utilizamos gêneros discursivos. Em outras palavras, utilizamos configurações de significados que nos permitem alcançar algum objetivo em sociedade – no caso do flerte, um namoro ou umas bitoquinhas. Esses significados vêm das escolhas gramaticais, semânticas e contextuais que fazemos, como, por exemplo, uma maior utilização de orações interrogativas na gramática, ou avaliações positivas na semântica para elogiar a pessoa e as coisas que ela fala.
Esses significados se organizam em unidades que compõem os gêneros discursivos, aos quais chamamos de etapas. As etapas são as unidades que compõem os gêneros, são o “passo a passo” necessário para que alcancemos nosso objetivo em sociedade, e são específicas a cada gênero.
O gênero história, por exemplo, apresenta três etapas: a orientação (que apresenta o contexto no qual se passa a história), o desenvolvimento (no qual os eventos da história são descritos) e a conclusão (na qual o resultado dos eventos são apresentados). Esse gênero faz parte do que chamamos de conversa cotidiana; gêneros utilizados para criar e gerenciar nossos relacionamentos interpessoais – com a história, experiências e valores que são compartilhados – atuando de forma a construir conexões sociais.
O flerte como gênero discursivo.
O flerte também se enquadra na conversa cotidiana por construir uma relação interpessoal; nesse caso, laços amorosos – sejam eles duradouros ou não. Uma das características interessantes do flerte é que, ao contrário de outros gêneros, como procedimentos ou narrativas, o flerte tem uma duração flexível, podendo durar desde segundos – como em uma interação rápida em uma festa – até meses – como vimos no casal Gleici e Wagner, participantes da 18ª edição do reality show Big Brother Brasil – ou anos. Isso tem relação muitas vezes com a intenção que existe por trás do flerte: se houver uma intenção de um relacionamento mais sério, a tendência é que o flerte dure mais, enquanto se for só um encontro rápido no meio de uma festa, pode não durar mais que 10 segundos.
Para além disso, o flerte não necessariamente depende da fala para acontecer: muitos estudos mostram, inclusive, que a parte mais essencial do flerte não é o que se fala, mas sim como o corpo fala. Isto quer dizer que o flerte precisa, principalmente, da linguagem corporal, a qual pode estar acompanhada da língua ou não. Com isso, o flerte é multissemiótico, ou seja, é realizado por mais de um sistema semiótico. Outros exemplos de textos multissemióticos são músicas (língua + música), aqueles presentes em livros de matemática (língua + matemática), e até mesmo esse texto que você está lendo (língua + imagem)!
Se o flerte depende da linguagem corporal para alcançar seu objetivo, então o que tem de ser feito? Pois bem, várias coisas! Primeiramente, o posicionamento (ou seja, a configuração corporal das pessoas no espaço no qual se encontram) entre os participantes do flerte exige, no geral, uma proximidade física além da que seria necessária para o contexto no qual se encontram. Além disso, é comum que haja também uma maior frequência no contato físico, como um toque no braço ao rir ou um abraço mais demorado.
Para além do posicionamento, a expressão facial – os movimentos realizados pelos músculos da face – também tem um grande papel no flerte por meio de ações voluntárias – como o sorriso ou uma troca de olhares que dure além do tempo normal – ou involuntárias – com a dilatação das pupilas ou o rubor facial. De fato, a expressão facial é, muitas vezes, a única coisa necessária para que se inicie o flerte.
Até mesmo durante a fala, há interferência da linguagem corporal, como no tom de voz – o qual geralmente ocorre de forma mais silenciosa. Isso ocorre para, novamente, influenciar na distância física entre os participantes, pois se o tom de voz é mais baixo, automaticamente os participantes se colocam mais próximos um ao outro.
E quanto ao que se fala, então? Pois bem! A língua falada, apesar de ter um papel mais secundário no flerte, também apresenta características que podem contribuir para que o gênero alcance o seu objetivo. Dentre essas características, estão a maior frequência nas perguntas (para “mostrar interesse”), uma avaliação positiva maior do que de costume (para começar a criar um laço afetivo acerca das mesmas coisas) e o compartilhamento de histórias (para compartilhar suas características e valores). Estas são, porém, mais frequentemente observadas em flertes com intenções mais sérias, como um namoro.
Nós vivemos a língua!
Mas então, e quando o flerte não acontece pessoalmente? Quando o flerte acontece via Tinder, Instagram ou outras redes sociais? Quando ele ocorre entre pessoas que falam línguas diferentes? Pessoas de lugares diferentes?
Essas ainda são perguntas sem resposta. É claro que ainda há muito a ser pesquisado e investigado sobre o flerte, bem como de sua relação com outros gêneros – por exemplo, como exatamente ele se difere da conversa cotidiana entre amigos, sem segundas intenções.
Estudos como esse nos ajudam a compreender, cada vez mais, que os gêneros estão presentes em tudo que fazemos – e eles envolvem mais coisas do que só o que escrevemos no papel. Podemos comprovar que a língua não é somente o que utilizamos para refletir ou para nos comunicarmos; a Língua está em tudo, em toda interação que temos e toda ação que tomamos. Ela é essencial para construirmos nossa vida. Nós “vivemos a língua”; ela é parte de tudo que a gente faz, é uma forma de atuar – inclusive fisicamente – no mundo.
Quem sabe, então, você se junta a nós e nos ajuda a entender cada vez mais sobre as muitas facetas dos gêneros discursivos e da Língua?
Referência Bibliográfica
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