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A linguística e a representação da experiência na História e na Filosofia

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Em artigos anteriores, vimos como a investigação da Língua numa perspectiva científica é eficiente e reveladora não apenas sobre o nosso objeto de estudo, mas sobre nós enquanto seres humanos. Através do estudo da Língua, podemos entender como funciona a sociedade; cada um de nós dentro dela e até os animais. Isso se dá pelo fato de construirmos e compartilhamos conhecimento sobre as coisas do mundo com a Língua e seus sistemas: ao conversar; educar; corrigir; criar leis; nomear coisas e animais, etc.

Agora, uma pergunta: se construímos conhecimento com a Língua, de que forma as outras áreas da ciência desenvolvem suas teorias, em uma perspectiva linguística? Afinal, se toda a cultura humana acontece pelo compartilhamento de textos, então, precisamos gerar e compartilhar significado para desenvolver as áreas da ciência que, aparentemente, não tem nada a ver com o estudo da Língua. Vamos tentar entender como outras áreas representam a realidade ao mesmo tempo que desenvolvem seu campo. Faremos isso refletindo sobre a representação da experiência em duas disciplinas que influenciam bastante na maneira como o ser humano enxerga sua existência: as disciplinas de História e Filosofia. Também iremos aprender a diferenciar uma representação daquilo que chamamos de “verdade”.


A relação dentro e fora dos textos da História


Vamos começar por um exemplo da História. A área do conhecimento que denominamos História pode ser considerada, a grosso modo, como o conjunto de textos com os quais investigamos os acontecimentos do passado e sua cronologia. Os historiadores buscam – em bibliotecas de armazenamento de arquivos ou entrevistas com testemunhas, por exemplo – os textos a serem interpretados com a finalidade de produzir o discurso sobre o que ocorreu em determinado período. Contudo, à medida que eles têm acesso a esses novos textos sobre o período investigado, novas versões dos fatos vêm à tona. Então, na prática, não se trata de descobrir “fatos concretos” ou “verdades”, mas representações da experiência humana em forma de texto. Percebemos, assim, a importância da interpretação textual e da comparação entre discursos para a área. Vamos exemplificar isso com um apanhado de textos estudados no campo da História, aqueles referentes ao período denominado como o Grande Terror stalinista, na União Soviética, que ocorreu mais ou menos entre 1936 e 1939.

Durante muitas décadas estudamos na escola que esse grande genocídio foi arquitetado por Stalin, de forma central. Foi um período sombrio na União Soviética, liderada por Stalin, que envolveu repressão brutal, perseguição política e execução em massa de opositores, visando consolidar o poder e eliminar rivais. Milhões foram presos, forçados a confessar falsos crimes e executados ou enviados a campos de trabalho forçado. O período teria sido um exemplo perfeito de um regime totalitário.

Porém, foram descobertas evidências de que o tal genocídio não foi tão amplo em número de execuções como se pensava e nem culpa de somente um único ser humano, mas de um “discurso em uso”. Mas, como textos podem acarretar um genocídio? Vamos explicar isso melhor.

O historiador Robert Conquest e a interpretação tradicional do período

Primeiramente, abordaremos a versão da história que prevaleceu por muitas décadas, que descrevia Stalin como o grande perpetrador de um genocídio sem precedentes. Seria pertinente falar um pouco de um dos historiadores que ajudaram a compor esse discurso, já que, como veremos, a inclinação ideológica de um pesquisador pode influenciar objetivamente o texto resultante de sua pesquisa.

George Robert Ackworth Conquest (1917 – 2015) foi um historiador britânico e agente do Information Research Department (IRD), um departamento secreto do Reino Unido na Guerra Fria, muito conhecido por produzir discursos contra grupos de esquerda.

Os dados textuais apresentados nas obras de Conquest vieram de relatos de colaboradores nazistas, emigrados soviéticos opositores do regime socialista ou até de informações divulgadas pela CIA. Dessa forma, seus livros foram usados pelo ocidente como ferramenta de propaganda anti-soviética, divulgada e vendida por toda a parte. Porém, também se baseou numa análise de documentos soviéticos oficiais da época, tais como o censo. 

Conquest (esquerda) recebendo a Medalha Presidencial da Liberdade. Fonte: Wikipédia.

Vamos botar a mão na massa e analisar trechos da obra em detalhes. Para isso, utilizaremos uma ferramenta de análise linguística concebida para interpretar o significado de um texto da forma mais técnica possível, a partir da categoria da Entidade, da Ideação. A teoria da Ideação e suas subcategorias nos trazem respostas sobre a forma como a nossa experiência do mundo é estruturada na forma de uma rede de significados. A Entidade é uma rede de relações que constroem o assunto de um texto. As Entidades conectadas relacionam símbolos, gestos, valores, imaginação, etc., criando o significado geral de um texto. Vamos começar com dois excertos do livro O Grande Terror, de 1968 abaixo (Entidades em negrito):

Texto 1 

“Tomando-se os números “conservadores” de uma média anual de oito milhões de prisioneiros nos campos, no período 1936-50 (inclusive), e uma taxa de mortalidade anual de 10 por cento, é obtido um número total de mortos de aproximadamente de 12.000.000. A estes deve-se somar o um milhão de prisioneiros executados durante o período, certamente um cálculo modesto. Também precisam ser somadas as vítimas da era pré-Yezhov do governo de Stalin, 1930-36: entre estas estão, como parcela principal, os 3.500.000 que pereceram com a própria coletivização além de um número similar dos enviados para os campos — onde praticamente todos vieram a morrer nos anos seguintes (mais uma vez um cálculo mínimo e bem modesto). Assim é obtido um total de 20 milhões de mortos, o qual é quase certamente um número muito baixo e pode requerer um aumento de cinquenta por cento ou quase isso, como pagamento do débito aos vinte e três anos de serviços prestados pelo regime de Stalin”.

Texto 2 

O expurgo de Stalin é, num certo sentido, o acontecimento que hoje em dia afeta o mundo mais diretamente (…) O grande expurgo pelo qual ele se estabeleceu como ditador indisputável, distingue-se em três aspectos principais: primeiro, e sobretudo, sua imensa escala, no qual pereceram milhões e todos os membros da população estavam sob uma ameaça imediata; segundo, seus métodos, e, em particular, o extraordinário mecanismo das confissões em julgamento, com os principais críticos do regime denunciando-se publicamente por traição (…). Os fatos mais simples do terror de Stalin foram, por muito tempo, escondidos ou mal compreendidos; constituindo durante décadas uma grande fonte de dúvidas e falsidades que penetraram profundamente na consciência e conhecimento do Ocidente”. 

Vamos recorrer à categoria da Entidade para analisar os textos. Aqui escolhemos apenas Entidades essenciais para nossa interpretação. As seguintes Entidades contribuem para a construção do assunto do texto: “taxa de mortalidade anual de 10 por cento”, “número total de mortos de aproximadamente de 12.000.000”, “um milhão de prisioneiros executados durante o período”, “total de 20 milhões de mortos”. Perceba que essas entidades, ao serem analisadas em conjunto, nos indicam que o assunto principal desse texto é tratar do número de mortes do período, não de qualquer outro assunto relacionado à União Soviética, como a própria revolução ou a influência das teorias marxistas no ideal da nação. Embora estes assuntos também sejam relacionados, estes não estão na superficie do discurso.

Já no Texto 2, temos as Entidades “O expurgo de Stalin” e O grande expurgo pelo qual ele se estabeleceu como ditador indisputável”. As duas Entidades apresentam uma composição interna que evidenciam Stalin como principal perpetrador dos eventos daquele momento da história. Assim, uma relação entre Entidades compõem o assunto de um texto tanto em função de suas relação de uma com a outra, quanto na relação de seus componentes internos.

 expurgo de Stalin
AcidenteQualidade
Componentes semânticos da entidade

O discurso analisado não se trata de uma verdade sobre o que ocorreu no período, mas de uma representação de uma experiência específica do indivíduo Conquest e que foi influenciada pela ideologia anticomunista. Ocorre que o discurso de Conquesst ganhou proeminência na Língua a ponto de sua representação ser considerada uma “verdade”, talvez por causa de suas conexões com grandes figuras e instituições ocidentais. Na figura abaixo, temos o principal resultado (em destaque) de uma busca do Google que mostra a força do discurso de Conquest até os dias de hoje, já que podemos encontrar o mesmo significado geral do texto a partir de um número de mortes muito similar ao do Texto 1. 

Fonte: resultado de busca do Google proveniente do site brasilparalelo. com.br

Para ilustrar de outra forma, seria possível criar um texto que contém relações completamente novas neste exato momento, algo como “O Pernalonga foi o responsável pelo genocídio de 50 milhões de porcos na Mongólia”. No entanto, tal discurso não possui força nenhuma, pela simples falta de falantes que o compartilhem e que o reconheçam como uma experiência a ser compartilhada como fato.

Sendo assim, apenas a elaboração de um texto não foi suficiente para Conquest. Para que o texto ganhasse força enquanto discurso, foi necessário também que um grande número de seres humanos o considerassem como verdade, mesmo sendo nada mais que uma representação da experiência, ou seja, a visão de uma pessoa específica sobre os fatos.

Os arquivos descobertos da União Soviética por Wendy Z. Goldman

Em contrapartida, novas descobertas foram interpretadas de textos recém catalogados dos arquivos russos. Estudiosos que anteriormente viam o “Grande Terror” como uma série de perseguições e punições centralmente dirigidas agora não podem negar agora a existência de uma dimensão social e de massas nesse fenômeno.

Com acesso a materiais de arquivo do Conselho Central de Sindicatos da União Soviética, Wendy Z. Goldman mostrou como o terror se infiltrou nos sindicatos operários fabris, uma rede que contava com 22 milhões de membros. Ela argumenta, em sua obra “Terror e democracia nos tempos de Stálin”, que “a repressão foi, na verdade, um fenômeno de massas não apenas em termos do número de vítimas, mas também do número de perpetradores”

Em sua análise do ocorrido, a autora vai além das explicações tradicionais, explorando a interação entre as autoridades do partido, os sindicatos fabris, os comitês partidários locais (partkomi) e os operários. Os líderes centrais do partido conseguiram encontrar uma “linguagem do terror” que apelava às massas e ajudava a canalizar as queixas dos operários na direção da repressão. 

Em sua pesquisa, Wendy Goldman demonstrou que a adesão generalizada a organizações sociais, principalmente sindicatos, tornou-se um dos fatores cruciais na rápida disseminação da repressão. Em 1937, um passo contraditório adicional foi dado na expansão da repressão em massa, fornecendo aos operários instrumentos para promover purgas ainda mais amplas, como cédulas secretas, eleições diretas, candidaturas individuais em vez de listas eleitorais, debates abertos sobre os méritos dos candidatos e críticas de baixo para cima. Em sua própria comparação, se a perseguição aos oposicionistas era um incêndio, a democracia soviética desempenhava o papel de combustível.

Texto 3

“A fase mais intensa de repressão é conhecida na Rússia como Ezhovshchina ou “tempo de Ezhov“, sinônimo de sua liderança na NKVD de novembro de 1936 a novembro de 1938. Nesses dois anos, milhões de pessoas foram presas, interrogadas, executadas e enviadas para campos de trabalho. A NKVD prendeu mais de 1.575.000 pessoas em 1937-8, sendo a grande maioria (87 por cento) por motivos políticos. Do total de presos, aproximadamente 1.345.000 foram condenados e 681.692 foram executados por crimes contrarrevolucionários (…)

Texto 4

“Além disso, novas pesquisas borraram a distinção clara entre os defensores da tese totalitária e os revisionistas. Os principais revisionistas foram, na verdade, os primeiros a revelar o grande papel pessoal de Stalin nas repressões, um princípio-chave da tese totalitária. Ao mesmo tempo, novos documentos questionaram a ideia de que o impulso obsessivo de Stalin pelo poder era a principal força por trás do terror. Oscilação, voltas e reviravoltas marcaram a sinuosa “estrada para o terror” do Partido. Stalin e os líderes do partido até hesitaram sobre como interpretar o assassinato de Kirov, um evento que, em retrospecto, serviu como o principal catalisador para o terror. E se os “revisionistas“, tão sintonizados com a história social, fizeram contribuições significativas para a nova história política, alguns historiadores políticos, insatisfeitos com o foco estreito em Stalin e alguns líderes centrais do partido, levantaram questões importantes sobre as conexões entre o terror e ‘as recorrentes convulsões das transformações da industrialização e coletivização (…) Por fim, novas descobertas políticas enriqueceram, em vez de invalidar, as tentativas anteriores de explorar o elemento do terror “por baixo”, esclarecendo a dinâmica entre as ordens centrais e as respostas sociais.”

No texto 3, ao considerarmos as entidades “milhões de pessoas”, “1.575.000 pessoas”, total de presos, 1.345.000 , “681.692” vemos como o assunto do texto indica um número bem menos expressivos do que os expostos no Texto 1

Já no Texto 4, a própria autora nos dá a resposta sobre isso. Entidades como: “novas pesquisas”, “distinção clara entre os defensores da tese totalitária e os revisionistas”, “sinuosa estrada para o terror do Partido”,  “o assassinato de Kirov” como “principal catalisador para o terror”, “dinâmica entre as ordens centrais e as respostas sociais”  compõem o assunto do texto. Elas fazem com que o sentido do texto esteja mais direcionado a evidenciar o papel do discurso do terror entre as camadas sociais como catalizador do terror do que simplesmente a vontade de Stalin, algo que só pôde ser interpretado mediante novas pesquisas. 

Veja que a figura de estado já não é mais central com o Texto 2, já que temos a ocorrência de Entidades que demonstram demonstrar a não centralidade de Stalin nas repressões. Ademais, as poucas vezes nas quais Stalin compõe uma Entidade, ocorre uma contraposição argumentativa ao discurso do Texto 2.

Segundo a autora, de maneira trágica e previsível, os próprios operários acabaram se tornando vítimas do terror, enquanto a “linguagem do terror” não era capaz, por si só, de resolver as profundas contradições enraizadas na estrutura de classes da sociedade russa e nos dilemas da industrialização acelerada. Em suma, o verdadeiro ditador não era um homem (Stalin), mas o “discurso do terror”, que angariou “falantes” e se fortaleceu na cultura soviética da época.

O que fica claro, a partir dos exemplos, é maneira que a História constrói essa representação da experiência, ou seja, dessa “verdade relativa” – por meio da introdução de um novo discurso, que constrói uma ‘nova perspectiva’ sobre o passado que reformula a anterior; um novo conjunto de questionamentos; novas relações entre significados; um novo problema a ser resolvido e, o mais importante, um novo conjunto de falantes que passará a reproduzir aquele discurso. 

De quebra, através desse exemplo, percebemos como essa mesma dinâmica do discurso pode mobilizar pessoas a exterminar membros de sua própria espécie, sua própria cultura.


A relação entre textos na Filosofia


De maneira similar, por exemplo vemos a representação da experiência também na Filosofia e na forma como a área se desenvolveu. Já que estamos tratando de um conceito da linguística para substituir a noção de verdade pura e simples, tomemos como exemplo o próprio conceito de verdade e seu desenvolvimento. A verdade tem sido objeto de investigação filosófica por séculos, e diversos filósofos apresentaram perspectivas diferentes sobre sua natureza, ou seja, representações diferentes. Aqui, fornecerei um breve resumo de duas visões notáveis de dois diferentes filósofos.

Platão

Platão (427 a.C. – 347 a.C.) considerava a verdade como uma forma objetiva e eterna que existe independentemente da percepção humana. Segundo ele, o mundo físico é apenas um reflexo ou cópia imperfeita dessas verdades abstratas e essenciais presentes no mundo das ideias.

Na obra “República”, é narrada uma alegoria por Platão acerca de alguns prisioneiros que estavam em uma caverna, totalmente amarrados, tendo acesso somente às sombras que eram projetadas pela claridade da luz da fogueira. Contudo, como já estavam acostumados com essa situação, acreditavam que essa era a realidade. Certa vez, um prisioneiro ousou sair da caverna e descobriu como era maravilhoso o lado de fora, voltou para contar a novidade para seus antigos companheiros, entretanto não foi compreendido. Por esse motivo, estes prisioneiros resolveram nunca sair da caverna, por temer o que tinha do lado de fora. A interpretação da alegoria platônica é considerada uma “doutrina da verdade” na qual é demonstrar a essência da verdade, que não está presente no mundo sensível – está do lado de fora da caverna, no mundo das ideias.

Sartre

Jean-Paul Sartre (1905 – 1980), um proeminente filósofo existencialista, tinha visões complexas e matizadas sobre a verdade. Suas ideias sobre a verdade estão intimamente ligadas à sua filosofia existencialista, que enfatiza a liberdade individual, a responsabilidade e a ideia de que a existência precede a essência, o contrário de Platão.

Sartre rejeitou a ideia de verdade objetiva que existe independentemente da experiência humana. Ele acreditava que a verdade é fundamentalmente subjetiva e é construída por meio da consciência e percepção individuais. Para Sartre, a verdade não é algo que é descoberto; em vez disso, é criada por meio do ato da consciência ao se envolver com o mundo. Sartre introduziu a ideia de “verdade existencial”, que é distinta da verdade empírica ou objetiva. A verdade existencial está relacionada à experiência subjetiva do indivíduo e à sua relação com o mundo. Trata-se de compreender o significado e a importância mais profundos de suas escolhas e ações no contexto de sua existência.

Embora Sartre tenha enfatizado a subjetividade individual, ele também reconheceu a importância da intersubjetividade – o entendimento e comunicação compartilhados entre os indivíduos. Ele reconheceu que nossas verdades são influenciadas pelas interações sociais e relacionamentos, embora a responsabilidade última pela escolha permaneça com o indivíduo. O existencialismo de Sartre lida com o potencial do niilismo existencial – a ideia de que a vida carece de significado ou propósito inerentes. Dessa forma, a verdade se torna uma busca pessoal e subjetiva por significado em um universo aparentemente indiferente.

No geral, as visões de Sartre sobre a verdade estão profundamente entrelaçadas com sua filosofia existencialista mais ampla. Ele enfatizou a subjetividade da verdade, a importância da consciência e escolha individuais e os desafios de viver autenticamente em um mundo que pode parecer absurdo e sem sentido. A exploração da verdade por Sartre convida os indivíduos a confrontar sua própria existência e a se envolver ativamente no processo de definir o significado e a verdade para si mesmos.

Esses são apenas dois exemplos divergentes da ampla gama de perspectivas filosóficas sobre a verdade. O fato de estarem muito distantes e tempo e espaço cultural também ajuda a explicar sua diferença. Os filósofos debateram e desenvolveram essas ideias ao longo do tempo, frequentemente construindo sobre o trabalho de seus predecessores ou desafiando-o. Perceba que o conceito de verdade de Sartre está mais orientado ao de representação da experiência que estamos conferindo aqui, já que que Sartre também trata da verdade como algo que sofre influência das interações sociais (como vimos no exemplo do “discurso asassino”) e da experiência subjetiva dos indivíduos por trás daquele discurso (exemplo da representação de Conquest versus representação de Goldman).


O papel da Linguística na análise das representações


O que nos interessa mesmo, enquanto linguistas, é desenvolver nossas ferramentas de análise de textos e nossa teoria sobre a dinâmica entre eles. Isso porque a verdade em si, como pudemos observar, é relativa, varia conforme o estágio de desenvolvimento de um discurso em questão e de cultura para cultura e pode apenas ser interpretada como representação da experiência.

Cabe lembrar que, como vimos no exemplo do “discurso assassino” , estamos à mercê da dinâmica da Língua em nossas vidas. Isso porque somos o discurso – fazemos parte dele – e provocamos sua mudança. Que tal finalizarmos essa parte com uma analogia? 

O todo do discurso, ou seja, de todos os textos que existem, é como um oceano. Um oceano quieto? Jamais. É um oceano turbulento, pois ele reflete toda a luta de representações entre as pessoas no mundo, ou melhor, entre os textos do mundo. Tal embate não dá trégua nem por um segundo e abrange desde trocas simples de significado, como alguém pedindo licença para outra pessoa na porta de um banco, como dois historiadores disputando quem está mais certo sobre o número de mortos na União Soviética de Stalin. E a mente de cada um de nós é uma porção dessa água, alguns de nós são uma porção maior, porque o discurso proferido tem mais alcance (como o de um influencer ou de um presidente da república) outros menos, como o meu. Mas, no fim, todos são uma porção de toda a imensidão.


Referências


CONQUEST, R. O grande terror: os expurgos de Stalin. São Paulo : Expressão Cultura, 1970.

GOLDMAN, W. Z. Terror and Democracy in the Age of Stalin: The Social Dynamics of Repression. London: Cambridge University Press, 2007.

MARTIN, J. R.; ROSE, D. Working with discourse: meaning beyond the clause. London; New York: Continuum, 2007.

PLATÃO. A República. Tradução: Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbbenkian, 2001.

SARTRE, J. P. O existencialismo é um Humanismo. São Paulo: Nova Cultural, Coleção Os Pensadores, 1987.

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