Compartilhe:

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp

Comunicando-se em Zigue-Zague: A Linguagem Única das Abelhas

Capturar

Por Roberta Úrsulo

No reino animal, a comunicação desempenha um papel vital na sobrevivência e no sucesso de diversas espécies. Enquanto muitos animais utilizam vocalizações, gestos ou sinais visuais para transmitir informações, há um grupo fascinante que desenvolveu uma forma de comunicação única e altamente complexa: as abelhas. Ao longo dos séculos, essas pequenas criaturas vêm intrigando cientistas e entusiastas da natureza com seu notável sistema de comunicação, conhecido como a “linguagem das abelhas”.

Neste artigo, mergulharemos nas profundezas da colmeia para desvendar os segredos dessa linguagem peculiar e compreender como as abelhas conseguem se comunicar de maneira tão eficiente e precisa. Desde o famoso “dançar” até a comunicação química, as abelhas demonstram habilidades de comunicação que desafiam nossa compreensão e nos levam a questionar a extensão da inteligência animal.


A hierarquia das abelhas


Dentro de uma colmeia de abelhas, uma sociedade altamente organizada e complexa emerge, onde milhares de indivíduos trabalham em uníssono (mesmo som) para garantir a sobrevivência e prosperidade da colônia. Esse notável nível de cooperação e divisão de trabalho é possibilitado por uma hierarquia bem definida entre as abelhas, onde cada membro desempenha papéis específicos e complementares. 

A colmeia é composta por três principais castas (divisões) de abelhas, cada uma com funções distintas e responsabilidades vitais para a colônia. A primeira delas é a rainha, a única abelha reprodutora da colmeia, cujo papel é pôr ovos para garantir a continuidade da população da colônia. Em contraste, os zangões, a única casta de abelhas machos, têm a missão de fecundar a rainha, contribuindo para a reprodução da colônia. E, por fim, as abelhas operárias são as abelhas fêmeas estéreis que realizam grande número de tarefas essenciais para a sobrevivência da colônia.

A hierarquia das abelhas é um exemplo notável de cooperação, divisão de trabalho e adaptação para o bem coletivo da colmeia. Cada membro da colônia, desde a poderosa rainha até as diligentes abelhas operárias, desempenha um papel essencial no funcionamento da sociedade das abelhas.


A comunicação por dança


Entre as muitas habilidades notáveis das abelhas, a comunicação por meio de dança tem sido um dos fenômenos mais intrigantes e estudados. Essas pequenas criaturas aladas desenvolveram um sistema de comunicação único e complexo, conhecido como a “dança das abelhas”, que lhes permite transmitir informações vitais sobre a localização de fontes de alimento. Ao explorar a linguagem das abelhas, é impossível não se maravilhar com a sofisticação e precisão desse sistema de comunicação.

Existem três tipos de danças: “dança em círculo”, “dança em foice” e “dança do requebrado”. Quando a fonte de alimento se encontra a pequenas distâncias da colmeia é executada a dança em círculo. Quando a fonte se encontra a grandes distâncias é executada a dança do requebrado, e a distâncias intermediárias é executada a dança em foice. 

Temos a seguir um vídeo ilustrativo sobre a comunicação por dança das abelhas da empresa ‘Flor de Mel’, criado por Ronaldo Junior. O vídeo demonstra visualmente os movimentos complexos das danças das abelhas, revelando como esses insetos utilizam essa forma de comunicação para transmitir informações cruciais sobre a localização de fontes de alimento.

Do intricado movimento da “dança das abelhas”, onde cada passo e vibração carrega consigo informações cruciais, emergem não apenas as pistas para a localização de fontes de alimento, mas também uma notável relação com o sol, o mestre celestial que orienta esses minúsculos navegadores alados. Enquanto as abelhas realizam suas coreografias, conduzindo suas companheiras a néctar e pólen, a conexão entre a dança e a posição solar se torna evidente, como se essas criaturas estivessem aproveitando o próprio sol como sua bússola.

A abelha utiliza o sol como sua bússola, sendo extremamente importante sua localização para que seja informado o local da fonte de alimento (árvore com flores). As abelhas enxergam o sol mesmo através das nuvens (raios ultravioletas). No entanto, não necessitam ver o sol enquanto dançam, podendo executar as danças mesmo no escuro, no interior da colmeia.

Por outro lado, as abelhas são capazes de se orientar mesmo após o pôr do sol. Na “dança do requebrado” a abelha, após chegar da fonte de alimento, procura se comunicar com as companheiras no favo, inicialmente oferecendo alimento (trofalaxia) e a seguir executa movimentos rítmicos do abdômen. A direção em que a dança é feita no favo, em relação ao fio de prumo, fornece um ângulo que corresponde exatamente ao ângulo formado entre a fonte de alimento (árvore com flor), posição do sol e colmeia.

À medida que o sol se movimenta a abelha corrige o ângulo correspondente. As abelhas operárias que assistem a dança, ao saírem da colmeia, localizam a fonte de alimento, tomando por base o ângulo informado na dança. Se o ângulo era 45 graus à direita do fio de prumo, se orientam com ângulo de 45 graus à direita do sol para localizar o alimento. A distância é informada pelo som produzido pelas vibrações do abdômen. Ao se aproximarem da flor elas usam as células sensoriais (sensillas) localizadas nas suas antenas que captam os sinais químicos ou cheiros. Os olhos compostos (omatídeos) e olhos simples (ocelos) auxiliam na localização exata da fonte de alimento.


A comunicação química


Imagem 1: Uruçu amarela do lado de fora da colmeia produzindo própolis (tipo de feromônio).

Além da intrincada linguagem da dança, os feromônios emergem como um dos sistemas de comunicação mais desenvolvidos nos insetos sociais, como as abelhas.

Os feromônios, substâncias químicas liberadas pelas glândulas exócrinas de um indivíduo, têm o poder de induzir respostas comportamentais ou fisiológicas em outros indivíduos da mesma espécie. No caso das abelhas melíferas, esses mensageiros químicos desempenham um papel fundamental na transmissão de informações dentro da colmeia. Geralmente, essas mensagens feromonais são direcionadas aos membros da mesma colônia, mas existem situações excepcionais em que podem ser direcionadas a indivíduos de outras colônias.

Os feromônios têm uma participação quase universal em todas as etapas da vida na colônia de abelhas. Desde o desenvolvimento até a reprodução, abrangendo o acasalamento da rainha e até mesmo o processo de enxameação, os feromônios desempenham um papel crucial na coordenação das atividades do grupo. Eles também desempenham um papel vital na orientação das abelhas em suas tarefas diárias, na defesa do ninho e na coesão geral da colônia, desde seu estabelecimento até os estágios finais.

Esses mensageiros químicos habilmente orquestram a comunicação entre todas as classes de abelhas: das rainhas trabalhadoras às operárias, das rainhas aos zangões e entre as abelhas adultas e as crias em crescimento. Esse elo químico é uma força unificadora que integra o complexo mundo da colônia de abelhas, garantindo seu funcionamento harmonioso.

Nas abelhas melíferas, assim como em outras espécies animais, duas categorias principais de feromônios são reconhecidas: os chamados feromônios primários e feromônios liberadores. Os feromônios primários operam no nível fisiológico, desencadeando respostas complexas e de longo prazo no receptor. Eles provocam mudanças significativas tanto no desenvolvimento quanto no comportamento das abelhas. Em contrapartida, os feromônios liberadores têm um impacto mais suave. Eles induzem respostas mais simples e temporárias, influenciando principalmente o comportamento do receptor, sem afetar de forma tão profunda seu estado fisiológico.

Assim, o mundo químico das abelhas, governado por esses intrincados feromônios, tece uma teia interligada de comunicação e cooperação, permitindo que essas criaturas minúsculas se coordenem e atuem como um único organismo, sempre em sintonia com as necessidades da colmeia.


Vai um linguísta aí?


A comunicação das abelhas é um exemplo impressionante de como os animais desenvolveram mecanismos sofisticados para se comunicarem e interagirem dentro de suas comunidades. Através dos feromônios e da dança, essas pequenas criaturas aladas estabelecem uma complexa rede de troca de informações, permitindo que trabalhem em harmonia e tomem decisões coletivas cruciais para a sobrevivência da colônia.

Esse fascinante sistema de comunicação das abelhas também nos leva a refletir sobre a diversidade de linguagens presentes no reino animal. Assim como as abelhas se comunicam por meio de feromônios, outras espécies utilizam uma ampla variedade de estratégias para transmitir informações, como vocalizações, gestos, danças e sinais visuais. https://eivaiumlinguistaai.ufop.br/serie-e-se-free-willy-nao-fosse-ficcao-a-lingua-e-a-cultura-das-orcas-parte-1-orcas-quem-sao-onde-vivem-do-que-se-alimentam/

Essa diversidade de formas de comunicação nos animais revela a complexidade das interações sociais em diferentes grupos e o quão adaptáveis são esses sistemas para atender às necessidades específicas de cada espécie. A linguística, como campo de estudo, busca compreender e analisar a comunicação humana, mas ao olharmos para o reino animal, somos lembrados de que a linguagem é um fenômeno muito mais amplo e diversificado do que apenas palavras e estruturas gramaticais.


Referências


BENVENISTE, Émile: Problemas de Linguística Geral. Tradução: Maria G. Novak e Luiza Neri. 5. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. 60 p.

WITTER, Sidia; SILVA, Patrícia; BLOCHTEIN, Betina; LISBOA, Bruno; FONSECA, Vera: As Abelhas e a Agricultura. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014.

CARETTA, Carla: Neurobiology of Chemical Communication. Universidade Duke: Taylor & Francis Group, LLC. 2014.

FRISCH, K. von. The dancing bees. Mathuen & Co. Ltda. London. 1953.

KERR, W.E. & H. Esch. Comunicação entre abelhas sociais brasileiras e sua contribuição para o entendimento da sua evolução. Cienc. Cult. 1965.

Posts recentes