Continuando a série de entrevistas com linguistas, conversamos com a Profa. Leandra Batista, do Departamento de Letras da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP.
VULA- O que faz um linguista?
L – De uma forma geral, podemos dizer que um linguista estuda a ciência da linguagem. E quando falamos em ciência da linguagem, muita coisa pode ser incluída. Muitas pessoas relacionam língua e gramática, e pensam que estudar linguística está relacionado a estudar a gramática de uma língua. Essa é apenas uma das facetas desse estudo. Também há pessoas que relacionam a ciência da linguagem ao estudo de diferentes línguas. Um linguista pode estudar apenas uma ou várias línguas, em seus aspectos estruturais (ligados à gramática) e também em seu uso, em sua realização cotidiana, em situações que vão das mais informais às mais formais e planejadas. Por exemplo, quando um pesquisador estuda o português brasileiro e percebe que, nessa língua, a estrutura comum para formar frases é colocar, nessa ordem, um sujeito, um verbo e um objeto (como em “o gato bebe leite”), está fazendo ciência da linguagem, está exercendo o trabalho de um linguista. Esse mesmo pesquisador (ou outro pesquisador) poderia comparar o português com o japonês e verificar que, no japonês, a frase seria formulada com uma ordem diferente, primeiro apareceria o objeto e depois o verbo (como em “o gato leite bebe”). Mas também é estudo linguístico quando um pesquisador verifica que, em determinada situação, uma pessoa usa uma palavra como “cefaleia”, e em outra situação a mesma pessoa pode dizer “dor de cabeça”, em razão de com quem fala ou de se tratar de uma situação menos formal. A linguagem compreende muitos aspectos, por isso o linguista tem um campo de atuação muito vasto.
VULA – O que você pesquisa?
L – Minha pesquisa principal, hoje, é na prosódia do português brasileiro. Quando falamos em prosódia, assim como com a linguística, também falamos em um campo de investigação bastante grande. A prosódia compreende fenômenos ligados à entonação, ao ritmo, à organização do tempo nas línguas do mundo. Principalmente na fala, a prosódia pode ser percebida na maneira como uma frase é dita. Não é difícil imaginar, como falante de português brasileiro, pele menos duas formas diferentes de dizer “Bom dia”. Imagine que a pessoa diga essa saudação com tom de voz baixo, quase sem variação. O sentido atribuído a essa saudação poderia ser o de uma mera formalidade, somente de um cumprimento obrigatório. Já se a saudação fosse dita com bastante variação melódica, poderia ter um sentido diferente, de um verdadeiro desejo de que o dia seja bom. Outro exemplo que poderíamos dar, para exemplificar a prosódia, é a duração de um grito de gol na narração de um jogo de futebol. Se o narrador falasse “gooooooooooool” com a vogal bastante alongada, além de variar a melodia da palavra, o sentido que se criaria para essa palavra seria diferente de uma situação em que o narrador do jogo falasse “gol” de forma rápida, breve e sem variação melódica. O alongamento da palavra poderia tanto chamar a atenção do telespectador do jogo quanto poderia demonstrar a felicidade e satisfação do narrador ao dizer a palavra dessa forma. Se a palavra fosse dita de forma rápida, poderia significar a insatisfação do narrador, por exemplo narrando o gol de um time para o qual não torce (muitos podem se lembrar de Galvão Bueno narrando os gols da Alemanha no jogo contra a seleção brasileira, na copa de 2014, em que o Brasil perdeu por 7 a 1¹. A prosódia utilizada pelo locutor pode mostrar sua insatisfação ao ter que narrar os gols do país adversário.)
VULA – Os resultados de suas pesquisas geram algum tipo de conhecimento para o brasileiro? De que forma?
L – Saber como funciona nossa língua é fundamental para entendermos como utilizá-la. Também é útil para ensiná-la, seja para falantes nativos, seja para estrangeiros. No caso da prosódia, entendê-la pode ajudar em muitas coisas. Temos vários exemplos de estudos prosódicos que podem ter aplicações diretas em nosso cotidiano. Há trabalhos que mostram que o fato de um falante utilizar pouca variação melódica na fala do dia a dia pode indicar um quadro depressivo. Um treinamento com a prosódia pode ser usado para auxiliar no controle da gagueira. Um falante de outra língua que quiser aprender português brasileiro tem que aprender como expressar, por meio prosódico, uma sentença declarativa, uma interrogativa, ou mesmo uma dúvida e uma ironia, já que a expressão prosódica desses tipos de enunciados e também dessas atitudes do falante varia de língua para língua. Todas essas expressões, normalmente feitas pela prosódia, (é mais comum falar uma frase com entonação irônica que dizer algo e ao final acrescentar – estou sendo irônico/a), podem ser estudadas e também ensinadas.
VULA – Seus estudos ajudam a explicar a diferença entre a língua portuguesa usada no Brasil e em Portugal?
L – A prosódia de uma língua é constituída cultural, histórica e socialmente. Isso significa que as formas como utilizamos a prosódia no português brasileiro são diferentes das formas como a prosódia é utilizada no português de Portugal ou de outros países que falem português. Mesmo no Brasil, país de tamanho continental, as formas prosódicas podem variar de região para região, até mesmo de cidade para cidade. Assim como qualquer outro componente da língua, a prosódia também varia. Uma diferença apontada em estudos da prosódia, é que a duração de segmentos (sons) no português brasileiro, bem como a de sílabas e sentenças, quando comparada ao português europeu, é maior. Também há variação melódica quando se compara o português brasileiro ao português europeu falado nas ilhas Açores ou da Madeira: a entonação de pergunta tem um tom mais alto no final da frase no português brasileiro ou no português europeu falado no continente, mas apresenta um tom final baixo no português de Portugal falado nas ilhas Açores ou da Madeira. Muitas investigações devem ainda ser desenvolvidas nessa área para entender mais sobre as semelhanças ou diferenças prosódicas entre os países que falam português, ou mesmo no português falado em diferentes localidades do Brasil.
¹Para quem quiser relembrar, há um vídeo disponível no YouTube com as narrações desses gols citadas aqui – https://www.youtube.com/watch?v=QVs-iTmgxvQ&ab_channel=PassouNaTV