Prezado leitor, as próximas entrevistas feitas com outros linguistas foram realizadas com as mesmas perguntas, para dar a oportunidade aos consulentes possam conhecer as diferentes posições sobre determinados temas de diversos pesquisadores. Iniciamos essa série de entrevistas com a Profa. Dra. Mariangela Rios – UFF/UFOP/CNPq/Faperj.
VULA – O que faz um linguista?
Mariangela – Em termos gerais, um linguista estuda cientificamente a linguagem. De forma mais específica, é um profissional voltado para a investigação da linguagem verbal, para pesquisar o(s) código(s) pelo(s) qual(is) as pessoas se comunicam. Essa investigação pode ser feita com foco nos dias atuais, numa perspectiva sincrônica, ou voltada para a observação do que é estável, do que é mudança ou do que é variação ao longo do tempo.
VULA – O que você pesquisa?
Mariangela – Estamos interessados nos usos linguísticos que mudam, na relação entre conhecimento de mundo e conhecimento gramatical. Investigamos como as pessoas transferem sentidos mais concretos, relativos ao corpo e ao espaço físico, como em para lá da rua, para expressar relações temporais ou lógicas, como em para lá da meia-noite e para lá de bacana.
Ainda no âmbito da mudança linguística, temos pesquisado como expressões mais lexicais, como Eu quero lá ir comprar uma blusa, se tornam mais gramaticais, como em Quero lá saber disso!
VULA – Os resultados de suas pesquisas geram algum tipo de conhecimento para o brasileiro? De que forma?
M – Nossas pesquisas partem sempre do que as pessoas, no caso, os brasileiros, têm falado, ouvido, escrito e lido em suas interações cotidianas, em contextos mais ou menos monitorados. Assim, concorremos para mostrar como o brasileiro fala português, como se expressa em distintas ocasiões em diferentes regiões do país. Com isso, procuramos atuar no combate ao preconceito linguístico, que estigmatiza parcelas da população, e, de outra parte, concorremos para a defesa dos direitos linguísticos, necessários à plena cidadania do povo.
Na pesquisa dos usos contemporâneos, coletamos dados em textos falados, escritos e agora também em plataformas como Facebook, Twitter e Instagram, por exemplo. Com isso, temos como captar formas mais recentes e inovadoras de expressão, que nascem, em geral, em comunidades de jovens, em influenciadores digitais, entre outros.
Para usos linguísticos mais antigos, recorremos a bancos de dados escritos e hoje disponibilizados eletronicamente, que revelam passos das mudanças processadas na língua. Com isso, resgatamos também nossa história, levantando marcas, basicamente a partir do século XIX, de usos linguísticos mais característicos do Português do Brasil.
Esse tipo de conhecimento pode subsidiar o ensino de português na Educação Básica, na tarefa de análise e reflexão sobre a língua.
VULA – Seus estudos ajudam a explicar a diferença entre a língua portuguesa usada no Brasil e em Portugal?
M – Nosso país é muito jovem, tem pouco mais de 500 anos de existência. Em termos linguísticos, não se trata de tempo muito longo para a produção de grandes mudanças. Como nossas pesquisas se voltam para a morfossintaxe da língua, somente conseguimos registrar algumas diferenças mais evidentes entre as variedades do português do Brasil e o de Portugal a partir do século XIX, no uso, por exemplo, de certos operadores discursivos, de ordenação de pronomes, de pronomes de tratamento.
Na verdade, as mudanças entre as duas variedades parecem ser melhor explicadas se olharmos para fatores de ordem geográfica, histórica, social, cultural e educacional, entre muitos outros, que distinguem Brasil e Portugal, uma vez que a língua, como expressão humana, é impactada por tudo o que cerca a comunidade que a fala.